O documentário 20 Dias em Mariupol tem o objetivo de chegar em todo o mundo com as imagens do rastro de destruição deixado pela Guerra na Ucrânia. Registrar tudo isso era a função do fotojornalista Mstyslav Chernov, quando foi enviado à Mariupol no momento em que os rumores de uma possível invasão russa estavam cada vez mais quentes.
Os personagens dessa história eram, na maioria das vezes, civis que sofreram com os ataques perdendo suas casas, familiares e até mesmo suas vidas. São relatos fortes de quem sequer entende o motivo pelo qual está sendo atacado.
Uma perspectiva que não traz à tona nenhum glamour cinematográfico, pelo contrário, as imagens são como deveriam ser, retratando o que precisa ser visto mesmo quando Chernov não gostaria olhar.
Quem mais sofre em uma guerra são os inocentes. Isso fica nítido logo nos trinta minutos iniciais, quando o espectador tem contato com as primeiras vítimas fatais do ataque: crianças e adolescentes.
O narrador da história também é um dos personagens, afinal, ele também está lutando por sobrevivência. Sua equipe está bem próxima à linha de frente dos conflitos e as histórias relatadas são as mais tristes possíveis.
Logo no início do documentário, Chernov se encontra com uma senhora e a aconselha a voltar para casa, alegando que os russos não iriam atirar em civis. Mais tarde ele encontra a mesma senhora o confrontando dizendo que ele estava errado. Crimes de guerra foram cometidos em Mariupol.
Mariupol: Alvo de mísseis e de mentiras
Em fevereiro de 2023, a Rússia tinha como foco tornar Mariupol, conhecida por ser uma referência portuária no país, uma cidade inóspita. Os ataques são centralizados no corpo de bombeiros, hospitais, escolas e maternidades. Um desses ataques é registrado pelo cinegrafista e as fortes imagens rodam o mundo.
Mstyslav tinha uma dinâmica ao final do dia de enviar tudo o que foi gravado para que os seus editores pudessem divulgar esses materiais. O principal desafio nesse processo é a falta de energia elétrica e a ausência de internet, ambas cortadas durante o ataque.
O cenário piora quando, dias depois, os editores passam a informação de que o governo russo rebate a veracidade daquelas imagens, alegando ser tudo um teatro. Até mesmo um embaixador da Rússia veio a público criticar os materiais, a fim de negar que qualquer crime tenha sido cometido.
A partir daquele momento, Chernov e sua equipe compreenderam o verdadeiro valor do que foi registrado. A importância do jornalismo numa guerra é de se adentrar na verdade, seja qual for o preço e assim eles o fizeram. É um risco que, para eles, valeria a pena a medida em que o mundo tomasse conhecimento das atrocidades ali praticadas.
Destruição e pessoalidade
O documentário foi premiado no BAFTA e Chernov, em seu discurso, definiu o trabalho como um símbolo de luta e um símbolo de fé. É verdade que diante de tanta tragédia, o narrador acaba ficando em segundo plano. No entanto, a incerteza do fotojornalista sem saber se um dia teria a oportunidade de ver as filhas novamente, certamente comove e coloca o espectador dentro de tudo aquilo.
A família também é um dos personagens dessa história. O pai chorando após perder um filho, um senhor caminhando por horas sem rumo querendo encontrar a esposa ou até mesmo a mulher que pede a Mystyslav para ser filmada para que sua mãe saiba que ela está bem. São diferentes pessoas que estão numa situação que elas não escolheram, no entanto, são quem mais estão pagando.
Portanto, 20 Dias em Mariupol cumpre com perfeição o compromisso com o factual, colocando a sobrevivência à frente da técnica, mas, acima de tudo, dando voz a quem viveu de perto o apagamento de uma cidade inteira por interesses friamente políticos.