Antes de falar propriamente de Asteroid City, de Wes Anderson, é necessário fazer uma contextualização histórica. Dessa forma, é mais fácil compreender as camadas do longa protagonizado por Jason Schwartzman.
Existem muitas histórias retratando o início dos anos 50 e usando a ficção científica como pano de fundo, muitas vezes como crítica a uma situação política da época, usando como exemplo os filmes de invasão alienígena que nada mais eram do que uma alusão à ameaça comunista e ao mesmo tempo a consagração das forças armadas estadunidenses que naquele momento se achavam soberanas por não ter perdido uma guerra até então. Era uma espécie de reconstrução do American Dream e dos valores tradicionais que tinham sido abalados pela Guerra. Viviam-se, então, os “Anos Dourados”.
Foi nesse período que o diretor Wes Anderson escolheu ambientar o seu mais novo filme Asteroid City. No longa, um grupo de pessoas presenciam um contato imediato de 3° grau com um alienígena em uma cidade no deserto dos EUA e se encontram em uma quarentena imposta pelo exército.
A história começa com o narrador (Bryan Cranston) nos informando que Asteroid City se trata de uma peça de teatro escrita pelo dramaturgo vivido pelo ator Edward Norton, e que vamos acompanhar os bastidores dessa obra. De cara, já podemos perceber a estrutura narrativa que Anderson vai impor no filme, uma com a imagem preto em branco na hora de mostrar o making of da construção da peça, e a outra nas imagens de plano aberto colorido com o filme(ou a peça) sendo executado da forma que o autor imaginou. Com isso, temos uma história dentro de outra história, estrutura narrativa que não é uma novidade para o diretor de 54 anos.
Então, vamos tirar o elefante branco da sala e falar sobre a parte estética do filme (já consagrada e recentemente descoberta pela geração tiktok) que mais uma vez se mostra brilhante aos olhos do público. Desde a suavidade da paleta de cores, os planos simétricos que a cada minuto surgem na tela, e o cenário mais ao fundo pintado em Technicolor, faz com que você pense que está passeando em um museu de artes. As texturas dos objetos em cena também contribuem para sua estética vintage.
Em um momento onde testes nucleares estão sendo feitos, a imagem do cogumelo da explosão é visto de longe por um personagem e na hora uma referência à Looney Tunes surge na mente. Alias você vai reparar o Papa-Léguas em alguns momentos aparecendo no filme. Essa é a leveza com que Wes Anderson trabalha a sua história em uma época onde o pós-guerra e os traumas das pessoas estavam em pauta nas discussões.
O Filme apresenta o personagem Augie Steenbeck, interpretado pelo ator Jason Schwartzman, como sendo o nosso protagonista, um fotógrafo de guerra que carrega consigo alguns lamentos da vida como a recente morte de sua esposa. Nesse momento, entra uma questão que reparei e tem a ver com a estrutura narrativa que foge do convencional, a partir da entrada dos outros personagens no filme: o tempo de tela entre eles é bem dividido, fazendo com que o público geral perca a sua atenção e deixa de ter uma conexão com Augie .
Dessa forma, se você não dá o tempo necessário para criar uma conexão com o personagem, seja simpatizando pela causa ou até mesmo se vendo nas experiências de trauma do mesmo, fica difícil até torcer pra ele chegar ao seu objetivo no final do filme. Não que tenha um objetivo claro e reto para ele no final, até porque, como eu disse, Asteroid City não segue uma linha digamos “previsível” em seu roteiro. Na verdade, longe disso. Toda essa questão de não ter exatamente um personagem principal não afetou de forma nenhuma minha experiência. Até porque, o elenco é sensacional e o tempo de tela bem distribuído só contribui para ótimas atuações.
Me arrisco a dizer que sem dúvidas esse elenco é um dos melhores já reunidos para um filme dos últimos 10 anos, e podemos afirmar que Wes Anderson brilha na forma como conduz e extrai dos atores ( veteranos ou mirins) a estranheza e o espírito caótico nas interpretações, mais uma marca registrada dos filmes do diretor.
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Wes Anderson usa e abusa da metalinguagem para falar de relacionamentos, dúvidas e problemas pessoais mal resolvidos, fazendo homenagens ao teatro e sua categoria desvalorizada e ao mesmo tempo uma crítica com relação a como se conduz tal expectativa para um espetáculo. Literalmente o ator que interpreta Augie (no momento do making of, com a tela preto e branco) abandona o clímax da peça no meio do palco para perguntar ao outro dramaturgo Arthur Miller (vivido pelo ator Adrien Brody) do que a peça realmente se tratava, e que ele não havia entendido nada da história. Se você não entrar de vez na ideia de que Asteroid City é um compilado do imaginário de Anderson, e que sua jornada pode te levar para questionamentos mais profundos sobre o cosmos, você vai se ver perguntando a mesma coisa que o personagem de Jason Schwartzman.
Asteroid City é um filme que te leva com todos os méritos para uma narrativa muito bem contada, muito bem dirigida, com críticas à leitura política de seu país, e ótimas linhas de diálogo. Wes Anderson chegou no momento da carreira de se autorreferenciar e, nesse filme, isso acontece com muita frequência. Para alguns diretores isso se torna um problema a ponto de virar uma sátira de si mesmo, mas não acho que vá acontecer em um futuro próximo, pois o talento de Anderson foge dos padrões normais.
Com isso eu digo, vida longa a criatividade, vida longa a arte… vida longa ao cinema!