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“O que é a vida? É o princípio da morte. O que é a morte? É o fim da vida. O que é a existência? É a continuidade do sangue. O que é o sangue? É a razão da existência!” É assim que José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão funda o horror brasileiro. Logo após os créditos iniciais uma mulher segurando uma caveira deseja uma péssima noite e adverte sobre o que virá a seguir, pede pra que saiam do cinema, pra que desistam do filme. Um começo épico! Mais atmosférico que isso impossível!
Impacto na época
Eu só fico pensando, como foi assistir isso no cinema na época? Imagina estar numa sala escura e ouvir todas aquelas advertências e depois encarar uma história que fosse se passar aqui em solo nacional. Poxa vida meu pai cansa de contar histórias de assombrações no interior, imagino como ele voltaria pra casa a noite, no escuro depois de um filme desses. Esse é um exercício muito interessante de se fazer. O Brasil é definitivamente um lugar supersticioso, então é natural que essas histórias iriam encontrar seu público.
Uma entrada marcante
Em meio a um funeral, todos interrompem seus ritos fúnebres para observar uma figura toda de preto de cartola e capa, que se aproxima e consola a viúva. A trilha dá tom e dramaticidade a cena. É um uso inteligente de planos, de ritmo e uso da linguagem. Por essa razão com poucas linhas de diálogo, já perdemos que as pessoas temem esse homem. As locações são outro ponto alto dessa história, essa poderia ser qualquer cidade do interior, pelo seu cemitério, suas ruas, suas casas tudo é muito comum a nós.
Zé mostra ao que veio
A cena seguinte é ainda mais brilhante e chocante, o medo não vem só do susto, vale destacar o enfrentamento de crenças. Zé do Caixão chega em casa após o velório e estranha não ter carne para almoço, ao ser confrontado pela esposa que é sexta feira santa ele se revolta e sai em busca de carne, nem que seja de gente. A mulher pede cuidado que o diabo tenta, e ele responde que se encontrá-lo vai convidar para o jantar. Novamente fazendo o exercício de se transportar para aquela época, imagino o impacto dessas linhas de diálogo, ainda mais no Brasil que na época era ainda mais católico e religioso.
Horror visual
O que se segue é de um dos planos mais emblemáticos do horror, Zé do caixão come carne e do alto de sua janela observa o passar da procissão com o padre fazendo sinal da cruz quando o vê. A câmera está do ângulo de cima, que é de onde o personagem vê seus valores morais elevados em choque com a crença da cidade. Sendo assim é poesia visual pura. Dessa forma não temos diálogo, mas podemos escrever linhas e mais linhas apenas assistindo a essas imagens. A figura de Zé persuasiva pelo medo e tem forte influência na cidade.

Paralelos com outros estilos
Novamente é possível traçar um paralelo com filmes de velho oeste. Violência é outro ponto muito explorado no filme, cenas que dão agonia e mostra o sadismo do personagem. As cenas são bem filmadas, e a reação das pessoas em volta, a câmera pegando em detalhe o “sangue nos olhos” do personagem, seguido dos efeitos sonoros fazem a cena ficar ainda mais brutal.
A fotografia do filme trabalha muito bem os contrastes, repleta de cenas escuras, sombras e planos inventivos. O filme não trabalha com muitos cortes rápidos, porém é equilibrado com planos mais logos em algumas cenas e outras com mais cortes em momentos de tensão.
Embates entre o sagrado e profano
A trama apresenta embates filosóficos fantásticos entre a crença e a razão. Sobretudo de um agente funerário louco que faz uso de violência extrema para provar seus pontos. Além disso possui linhas de roteiro muito boas que geram cenas tensas. A figura da bruxa sem dúvida é a que melhor enfrenta e decreta de como será o fim do coveiro sádico. O roteiro gira em torno da filosofia de Zé do Caixão na qual, a vida está na continuidade do sangue, ou seja em ter um filho. Ele mostra comportamentos reprováveis em diversos momentos, então não seria diferente pra conseguir seu principal objetivo, o personagem tem comportamentos horríveis com as mulheres, mas gosto de como o roteiro trás as mulheres de volta, um retorno após a morte para obter vingança.
Um belo pesadelo
As escolhas visuais do filme são outro brilhantismo, a precisão com a imagem em negativo, a figura fantasmagórica no céu, em meio a fumaça, é tudo um belo pesadelo. No começo de sua queda ele vagueia pela casa esmagado pela culpa, tal qual um personagem de Edgar Allan Poe.
É um filme com tantas camadas que fica claro por que José Mojica Marins é considerado um dos maiores cineastas do cinema de horror não só nacional, mas sim mundial, sua obra trouxe o terror para medos cotidianos das pessoas, confrontando crenças e costumes, explorando diferentes lados do medo, até medo de aranhas é explorado no longa. Nosso primeiro horror nacional foi uma obra prima.
Assista abaixo o nosso programa Noite de Terror com analise do filme.