Depois de muita espera, A Pequena Sereia estrelada por Halle Bailey estreia em meio à polêmica sobre o excesso de live-actions feitos pela Disney. O que se poderia acrescentar na história de Ariel, uma das princesas mais populares? Ainda mais num longa com 40 minutos a mais do que o primeiro.
Certamente, avaliar um live-action é diferente de analisar uma obra totalmente nova. Afinal, além de observarmos a produção em si, é de suma importância consideramos a relação da adaptação com o filme que lhe deu origem. A história não pode ser uma repetição ipsis litteris da original. Até porque só a parte visual pode não ser suficiente para justificar uma nova ida ao cinema. Por outro lado, o público está ali pela nostalgia e pelo apego ao primeiro filme. Portanto, também não dá pra produzir uma história que desconsidere a familiaridade do espectador.
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A sinopse permanece basicamente igual
Assim como em A Pequena Sereia de 1989, Ariel é obcecada pelo mundo humano. E esse desejo se intensifica ainda mais ao se deparar com o Príncipe Éric. A saber, o desejo dela de conhecer a superfície, somado aos atritos com seu pai Tritão, fizeram com que ela tomasse a medida drástica de negociar com Úrsula. A Bruxa do Mar, por sua vez, para transformar a Princesa dos Mares em humana, faz um tratado com cláusulas bastante bizarras. Ariel ficaria sem sua voz a ainda teria que ser beijada pelo príncipe em até três dias, caso contrário, pertenceria à Ursula para sempre. Em sua aventura, Ariel conta com o apoio de seus amigos Linguado, Sebastião e Sabidão.
Entretanto, a história ganha novos contrastes, uma dramaticidade maior e, até mesmo, novas canções. Algumas arestas foram aparadas para que o filme se adapte à atualidade. De igual forma, houve acréscimos em determinadas personalidades que contribuíram para um enredo ainda mais coeso e coerente. Pode-se destacar o crescimento dos personagens Príncipe Eric e Rei Tritão.
Os mesmos personagens ainda melhores
Um ponto super positivo da história é que o Príncipe Éric ganha mais camadas. Dessa forma, o desenvolvimento mais aprofundado do mocinho faz com que relação dele com Ariel tenha ainda mais sentido. Ele agora tem uma família, um povo e um objetivo de vida. Até mesmo uma canção solo totalmente original foi apresentada ao público. A química do ator Jonah Hauer-King com Halle Bailey também foi fundamental para que nos apegássemos ainda mais ao personagem.
As interações entre Ariel e Tritão também ganharam mais profundidade. O Rei dos Sete Mares consegue ser simultaneamente mais hostil com os homens e mais sensível em relação à filha. A interpretação de Javier Bardem também encontrou o tom necessário ao monarca, o que fez com que o público tivesse uma empatia maior com o personagem e uma preocupação genuína com ele, intensificando a emoção em suas aparições, em especial no ato final.
E a fotografia?
Sem dúvidas, a fotografia e o CGI não saíam da temática das redes sociais em se tratando de A Pequena Sereia. Uma das preocupações do público é que o filme fosse muito escuro sem o colorido peculiar dos filmes 2D. Entretanto, o longa passou bem distante de parecer a DC do Zack Snyder. E, se por um lado, o oceano tinha, de fato algumas cenas mais sombrias, principalmente nas cavernas e naufrágios, o que, convenhamos, faz sentido, por outro lado, as cenas em terra firme foram coloridas, com bastante brilho e contraste.
Quanto ao CGI, a principal vítima da exigência dos expectadores, certamente, foi Linguado. Vale citar nosso comentarista Walace Borges: “É um peixe-beta com topete”. A afirmação não é necessariamente errada, mas o tempo de tela do peixinho é bem pouco e, levando em consideração a qualidade visual de tudo que há em volta, a estética dele acabou não sendo um grande incômodo no contexto do longa. As serias estão lindas, a movimentação do cabelos e até a expressão dos bichinhos foram bem satisfatórias.
Antes de tudo, um musical
Rob Marshall, não à toa, foi escolhido para dirigir A Pequena Sereia. Afinal, musicais são sua especialidade. Inclusive, ele foi indicado ao Oscar por Chicago, justamente um musical. E, mais uma vez, o diretor foi impecável ao unir a trilha sonora composta por Alan Menken ao roteiro de Jane Goldman; David Magee. E, perdoem-me pela obviedade, a trilha sonora é um dos pontos mais importantes em um filme desse tipo. É essencial que imagem, música e história estejam perfeitamente alinhados, pois é exatamente essa combinação que guia a experiência do público.
As modificações feitas nas músicas antigas, somadas às canções inéditas consolidam a adaptação do filme às novas demandas sociais, mas também preenchem bem a história e a construção dos personagens. Um bom exemplo disso, é a canção “Tudo tão Novo” que torna mais dinâmicas as cenas de Ariel sem voz. A música “Zum Zum Zum” de Sabidão e Sebastião, por sua vez, é divertida e tempera a personalidade dos bichos. Vale lembrar que a versão em português interpretada por Priscilla Concepcion e Yuri Chesman não deixa a desejar em relação à original nas vozes de Daveed Diggs e Awkwafina. Portanto, mesmo que você assista a versão legendada, vale à pena conferir a trilha em português disponível no Youtube.
Desproblematizando
Por mais que a Ariel seja a primeira princesa Disney a ter um objetivo de vida claro, instinto explorador, insubordinação e interesses além de atividades domésticas e casamento, vale lembrar que A Pequena Sereia de 1989 é um filme de outra época e reflete os valores de seu tempo, inclusive por meio da trilha sonora.
A música de Úrsula na primeira versão mostra certa sexualização da Ariel, que tinha só 16 anos. A Bruxa do Mar faz insinuações sobre a sereia seduzir o príncipe Eric usando suas características físicas e a “linguagem do corpo”. Logo em seguida se apresenta uma visão bastante machista da comportamento feminino como tentativa de convencer Ariel a se portar de modo a agradar os homens e justificar a perda de sua voz. Atualmente, não caberia uma música com esse tipo de fala, então essa parte foi retirada. Essa é uma entre algumas modificações feitas nas canções originais.
O fator Halle Bailey
Tendo em mente o assunto “música”, dificilmente haveria para o papel melhor opção do que Halle Bailey. É impressionante como ela consegue alinhar potência vocal e dramaticidade nas interpretações. Enquanto Halle canta, o público sente os desejos da Pequena Sereia de forma profunda e íntima. E, para sorte de quem vai assistir a versão dublada, Laura Castro também brilha demais.
Apesar de todos os ataques, Halle Bailey entregou uma das princesas com mais fidelidade à personalidade original. A mistura perfeita entre obstinação e doçura, ingenuidade e rebeldia ganham forma pelo trabalho da atriz. Além disso, a interação com outros personagens, reais ou de CGI, é bastante convincente. Bailey foi corajosa e, como fruto disso, ganhamos uma Ariel perfeita. Porém, acima de tudo, meninas negras em todo mundo se sentirão representadas e isso é de preço incalculável.