O filme A Sindicalista é estrelado por Isabelle Huppert e narra a história real de uma denunciante irlandesa que luta contra a intimidação e o silenciamento.
Todos os anos, em diversos países, saem produções retratando algum tipo de injustiça. Isso não é uma tendência restrita à falta de criatividade, mas sim, um reflexo direto da sociedade de modo geral que prefere, por vezes, buscar um ponto final, ao invés de alcançar a verdade. A Sindicalista (La Syndicaliste), filme dirigido por Jean-Paul Salomé, é mais uma dessas histórias que coloca o sistema judiciário em cheque, em decorrência de uma tentativa de silenciamento que aconteceu com Maureen Kearney na França.
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A história narra eventos reais documentados no livro de mesmo nome escrito por Caroline Michel-Aguirre em 2019 e debruça sobre uma série de acontecimentos que ocorreram em 2012. Na ocasião, Maureen Kerney, que nessa adaptação é vivida pela brilhante atriz Isabelle Huppert (Elle), trabalhava como representante sindical de uma das maiores empresas de energia nuclear da França, a Areva.
Ela tem acesso a informações sigilosas de negociações da Areva com a China que poderiam impactar diretamente milhares de funcionários da empresa. No entanto, ao adentrar-se na investigação, Kearney começa a receber ameaças anônimas que se intensificam até chegar em um crime hediondo, em que ela foi brutalmente violentada na própria casa. A polícia desacredita do seu depoimento e faz da vítima, suspeita do próprio caso.
No primeiro ato, o filme não parece se tratar de um drama de tribunal. Pelo contrário, a impressão é de que terá um teor investigativo e político acerca de todo esse corporativismo. É correto dizer que este início serve para contextualizar as motivações de Maureen, bem como os eventos que a fizeram ser a pessoa mais odiada da instituição.
Um grande acerto desse roteiro foi introduzir com naturalidade a personagem, antes de mergulhar nos fatos. Era preciso fazer com que o público geral conhecesse de perto Maureen Kerney, uma mulher respeitada na Areva e que não se curvava diante de nenhum homem engravatado em posição de poder, mesmo em situações de vulnerabilidade e com sua integridade em risco.
A fotografia em tons frios, harmoniza muito bem com os sentimentos de reflexão da protagonista. O silêncio faz parte da composição da trama, Salomé ostenta o olhar vazio Isabelle Huppert que, para além das semelhanças físicas, nos faz realmente acreditar que ela é Maureen Kearney.
Além do mais, o diretor insere elementos na narrativa de forma provocativa. Ele está interessado em fazer com que o espectador entre em um conflito moral e tome partido dentro da história. A sanidade mental de Kearney é questionada, seu passado é usado para justificar os crimes que sofreu e, evidentemente, a maioria dessas acusações são feitas por homens. Explicitar isso reforça que o filme, mesmo retratando eventos de uma década atrás, ainda é um recorte dos dias atuais.
Contudo, A Sindicalista peca um pouco em relação ao ritmo e fluidez da trama. São quase duas horas que pesam bastante no segundo ato, principalmente com a insistência em subtramas desinteressantes, como a relação de Maureen com sua filha.
A presença de vários personagens secundários (muitos com breves aparições), desloca a atenção do núcleo principal. Parece que o filme tem interesse em mencionar nomes conhecidos da França, mas, ao não desenvolvê-los, restringe a compreensão de quem está sendo impactado pela primeira vez pela história.
No mais, a qualidade desse material é preservada, principalmente, pelo tempo de tela quase absoluto de Isabelle Huppert. A atriz de 70 anos, consegue transmitir todos os sentimentos de solidão, depressão e redenção vivida pela complexa Maureen Kearney. Desde o início, Salomé já tinha Huppert como principal nome para viver a denunciante, afinal, eles já haviam trabalhado juntos em A Dona do Barato (2020). Essa química entre câmera e atriz proporciona uma experiência dolorosa, mas necessária que torna a obra extremamente imersiva.
A Sindicalista é um filme envolvente que expõe a luta de uma mulher corajosa contra a intimidação corporativa. Uma história que nos leva a refletir sobre questões de gêneros presentes no sistema judiciário, além de abordar o impacto duradouro de eventos traumáticos. Trata-se um lembrete contundente de que a busca pela justiça é necessária para que a verdade se sobressaia ao discurso machista.
Nota: 4/5