O documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014) foi um grande nome do cinema brasileiro por ter um olhar extremamente apurado no que diz respeito a encontrar o personagem certo para cada filme.
Para compreender a filmografia de Coutinho, é importante não desassociar o gênero documentário da sétima arte. Ele sempre reforçava que seus filmes eram cinema, embora não ficcionais.
Toda a linguagem está ali: roteiro, fotografia, montagem e afins. A principal diferença era a incerteza dos caminhos que a obra iria seguir durante a produção. Mas o resultado, na maioria das vezes, era excepcional.
Histórias reais, pessoas reais que, por vezes, nunca tiveram uma câmera apontada para si, aqui eram núcleo da narrativa. Elas tinham suas histórias contadas e era possível enxergar o valor dos relatos coletados.
Tamanha a intimidade das histórias absorvidas por Coutinho, que ele nomeou essa relação como erótica. Não entenda mal, mas era um nível tão grande de conexão entre entrevistador e entrevistado, que ele conseguia coletar os relatos mais verdadeiros possíveis, sem, em nenhum momento, julgar os seus personagens.
A fragilidade do entrevistar
Em “Edifício Master” (2002), considerado por muitos uma das principais obras do diretor, um dos entrevistados pede para Coutinho um emprego. Ele, sem jeito, gagueja e desmonta. Ato incomum se lembramos que se trata de um dos maiores entrevistadores brasileiros.
Em outros documentários, momentos como estes seriam facilmente cortados na ilha de edição, mas aqui não. O documentarista prefere mostrar que a vida é um constante improviso e que, certamente, está suscetível a erros a todo momento.
Em 1981, em “Cabra Marcado para Morrer”, após reencontrar dezessete anos depois uma de suas personagens mais emblemáticas, Elizabeth Teixeira, o entrevistador leva um sermão do filho da mulher. Novamente, todo o constrangimento é mostrado e aqui a postura do homem até serve à narrativa.
Um pouco diferente, porém, de suas reações em “Jogo de Cena” (2007) em que ele propõe um experimento em que mulheres contém seus relatos sobre maternidade e, na sequência, chama atrizes renomadas para interpretar aquelas mulheres.
Em determinado momento, Fernanda Torres, uma das atrizes que participaram do exercício, fica inconformada com o seu desempenho. Ela diz que não queria ter se emocionado e acabou chorando porque as falas a comoveram.
Coutinho, porém, reforça que ela agiu como deveria agir. O que era para ser um erro, mais uma vez, ficou no filme e se tornou um dos ápices emocionais do longa-metragem.
Coutinho e a política
O diretor já foi militante do Centro de Cultura Popular da UNE. Em meados de 1962, a partir de uma caravana estudantil, ele conheceu Elizabeth Teixeira, viúva de um líder camponês que estava disposta a contar a história de seu marido João Pedro Teixeira.
À princípio, seria um filme de ficção, mas que nunca foi acabado devido ao Golpe Militar de 1964. O material permaneceu guardado por vários anos, até ele retomar as rédeas da história e procurar aquelas pessoas que participaram da produção.
Com o mínimo de intervenção possível, Eduardo Coutinho consegue absorver a realidade daquelas pessoas para a tela e nos fazer pensar em tudo que elas passaram.
Dessa forma, “Cabra Marcado para Morrer” se tornou uma das obras mais importantes da história do cinema nacional. Neste momento, inclusive, o filme figura na quarta colocação dos melhores filmes brasileiros já feitos segundo a ABRACCINE.
Coutinho fez filmes políticos e muitas vezes a política estava implícita em seus personagens. Não precisa trazer a pauta, mas ela chegava para ele e o que bastava era dosar suas pontuações para buscar a essência de suas obras.
Ele não tratava aquelas pessoas como heróis ou vilões, mas sim, seres humanos que mereciam respeito. O não-julgamento fazia parte do seu entrevistar e esse, entre outros motivos, fez dele um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos.