A música brasileira é uma da maravilhas do mundo, e, sem dúvida, isso passa por Antônio Carlos Jobim. O maestro, pai da bossa Nova, ao lado de outros mártires do cenário musical nacional, por incrível que pareça, estava distante do seu país, nos idos de 1974. Morava em Los Angeles, EUA, e reclamava que estava sem espaço para seu trabalho na sua pátria mãe. O que os astros fizeram? O juntaram com a maior cantora do Brasil, à época: Elis Regina Carvalho Costa. E é do fruto desse trabalho, que quase 5 décadas depois, nos sentamos para assistir o documentário “Elis & Tom – Só tinha de ser com Você”, de Roberto de Oliveira, que estreia no próximo dia 21 de Setembro.
“Elis & Tom” tem o ritmo certo nas mãos certas para o trabalho. Oliveira, era empresário de Elis Regina à época do presente lhe concedido pela Phillips, por conta de seus 10 anos de gravadora. E o presente escolhido foi um dos álbuns de maior sucesso da Música Popular Brasileira do mundo. Mas como já sabemos por um relato ou outro, o material do mesmo Oliveira, só deixa ainda mais atenuante a relação de ambos artistas de muito mais que “uma nota só”.
De nenhuma relação à mais conflituosa e talentosa dupla da MPB em 74
O álbum “Elis & Tom” é tido como um dos maiores da música, no mundo, e isso não dito apenas pela imprensa nacional, na época de seu lançamento e hoje. Tudo que cerca o álbum é tido como um trabalho de excelência e de muita boa qualidade. Desde o repertório, até arranjos, som e equipe técnica por trás do trabalho. Mas nem tudo, ou nada, foi às mil maravilhas.
Elis pediu a André Midani, então presidente da Phillips, para gravar um álbum de músicas de Tom Jobim, mas não apenas isso: Teria de ser com o próprio. A gravadora tinha por costume, dar à seu casting, um presente de 10 anos de gravação, e esse era o pedido por Elis.
Mas Elis e Tom não se batiam. E é assim que Roberto de Oliveira abre o seu documentário. Com uma história de que Roberto Menescal tinha apresentado ambos, em algum momento, na Record, e a gaúcha tinha feito pouco caso, até a história de Tom tinha barrado Elis em um trabalho, dizendo que ela “ainda cheirava a churrasco”. Então por que a pimentinha queria tanto gravar Tom Jobim e sua Bossa Nova da qual tanto a gaúcha falou mal?
Elis precisava de prestígio.
Ao som de um trecho inicial de “Águas de Março”, a película começa em Los Angeles, com a recepção de Tom à chamada “Élis Regina”, imagens que já aguçam nossa curiosidade por um trecho dessa história contada além das gravações do álbum, por mostrar a Los Angeles dos anos 70. Mas é uma esperança falsa, já que entramos em estúdio sem nunca mais sair. Elis estava nervosa, por vezes arrumou as malas e disse que voltaria graças ao ceticismo de um talentoso Tom Jobim. Mas sempre era convencida a dar mais uma chance à um novo dia.
Elis era uma cantora de sucesso, mas não era tão popular. E era tudo que ela queria ser, já que ser a maior cantora do Brasil nunca deixara de ser a sua convicção. Mas ela queria algo gigantesco, então, ninguém melhor que o maestro pra isso. Tom, meio ressabiado, mas longe de estar desanimado, contatou dezenas de profissionais para os arranjos do álbum, todos ocupados. Quem arranjaria, seria outro mago do piano, César Camargo Mariano.
Nas palavras de Roberto de Oliveira, e em todas as suas imagens, o que vemos é uma série de discussões, clima ameno, sem graça, sem a confiança que Elis precisava. Ao mesmo tempo, entre uma cena e outra, conseguimos ver algumas das interpretações mais famosas e definitivas do mundo, dentre elas “Pois é”, “Chovendo na Roseira” e “Só tinha de ser com Você”.
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Apesar de excelente, é nostalgia sem novidade
Salvo alguma história peculiar, como a do Técnico de som Humberto Gatica, que era apenas um assistente e nem português falava, tendo que lidar com toda a turma de Aloysio de Oliveira. Depois do sucesso, explodiu e se tornou um dos mais importantes técnicos de som da música internacional. Até nos é sugerido um ciúme de César Camargo Mariano, tamanho o entrosamento de Elis e Tom depois de toda a tempestade.
Com alguns depoimentos muito ricos, dentre deles o de João Marcello Bôscoli e do próprio Wayne Shorter, lenda do Jazz que gravaria com Elis o hoje conhecido “maior álbum que nunca foi gravado” de ambos, “Elis & Tom” vai se encaminhando para ser mais um registro saudoso e atemporal de uma grande obra, do que propriamente um doc acachapante. É apaixonante para os fãs verem Elis Regina e Antônio Carlos Jobim escutando cada uma das gravações após o final do trabalho, apreensivos e encantados um com o outro. Isso é valioso e emocionante.
Elis saiu gigantesca do trabalho. Realizou o seu sonho e se tornou uma cantora ainda mais técnica sem perder sua potência. Tom, deslumbrado, principalmente por ter sua obra tão bem revisitada, toca um piano compenetrado, enquanto Elis, estática, usa todo o seu talento em “Por toda a minha vida”, talvez a mais uma bela gravação mostrada na película.
Ao término da sessão, que recebeu figuras em uma pré-estreia para convidados na sede da Academia Brasileira de Letras, centro do Rio, como o próprio diretor Roberto de Oliveira, Merval Pereira, jornalista e presidente da ABL, o diretor Cacá Diegues, Beth Jobim, Marcos Frota e Arnaldo César Coelho, o clima era de satisfação, e da certeza de um trabalho muito bem realizado por Oliveira. Aliás, Elis Regina e Antônio Carlos Jobim sempre valem a pena.