Selecionado para o Festival de Cannes 2023, Culpa e Desejo chega ao Brasil com um título que já pressupõe sentimentos intrínsecos à protagonista do longa, contrário ao que seria a tradução literal de L’Été Dernier (Verão Passado). Dessa maneira, o filme de Catherine Breillat pode ser prejulgado através de ambas sensações de desconforto, tal qual a personagem que abre o filme em um interrogatório: incômoda e receosa em admitir um ato não consentido, frente ao medo do juízo de valor que sua sexualidade possa sofrer.
Vale ressaltar que minha intenção aqui não é assemelhar o arco principal de Culpa e Desejo à questão descrita acima, mas é possível utilizar o ponto de vista para evidenciar como a personagem de Léa Drucker pode ter a complexidade de sua jornada negada por alguns espectadores simplesmente pela polêmica que a cerca, da mesma forma com que a garota da abertura poderia ser considerada culpada por outro advogado, simplesmente por ter tido “muitos” relacionamentos.
No fim das contas, Breillat já é conhecida por apostar em tabus difíceis de ingerir, e desta vez nos coloca como observadores na rotina de Anne, uma advogada entre 40 e 50 anos casada com um empresário e especialista em casos de proteção de menores. Depois de lidar com inúmeras questões delicadas dentro do escritório e do tribunal, a sua própria casa se torna um ambiente propício ao nosso julgamento, uma vez que Théo (Samuel Kircher), o filho de 17 anos do marido, vem passar o verão com a família e acaba tendo um caso com a madrasta.
Com o início deste enredo repulsivo e envolvente na mesma medida, o longa nos leva a um belo nível de desconforto com cenas longas e imersivas sob o mesmo teto em que a família dorme. Nos sentimos à espreita, sempre prestes a sentir esse desconforto novamente, e aguardando um inevitável flagrante. Neste cenário, a diretora orquestra a grande catarse do filme:
Théo, apesar de menor de idade, tem as próprias convicções e visão de mundo, apaixonando-se fortemente pela madrasta quando esta se coloca à disposição emocional para o garoto rebelde e problemático. Quando o relacionamento dos dois se transforma em sexual, ainda que o caminho mais imediato seja a criminalização de Anne, a proposta é de se colocar na pele da personagem. Como advogada, ela defende jovens de tutores abusivos, mas ao ter que enfrentar os próprios impulsos carnais, acaba indo na contramão dos princípios que defende dentro dos tribunais, e uma vez confrontada, é capaz de apelar para os mais perversos métodos para proteger sua estabilidade.
Isto posto, Culpa e Desejo provoca o senso de que o moralmente correto demanda a isenção dos impulsos individuais, mas no campo libidinoso do desejo, basta um segundo de fraqueza para que tudo seja envolto por um contínuo ciclo de tentação e, por consequência, a corrupção desgeneralizada dos envolvidos.
Lançado mundialmente em maio de 2023 durante o Festival de Cannes, o filme chegou aos cinemas em 23 de novembro.
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