Um dos movimentos culturais mais influentes do mundo, o Hip Hop (derivado do rap) juntava dança, letras que se transformavam em poesia, e muito ritmo. Já o rap, com suas rimas faladas, com base rítmica forte, trazia realidade das ruas, das periferias, como uma forma de desabafo. Esses movimentos como formas de expressão se tornaram populares nos EUA, sobretudo entre os jovens negros e latinos que viviam em áreas de bastante violência e precariedade. A saber, essa arte e estilo chegaram no Brasil sem alterar seus moldes. Dessa forma, logo serviu como base para nossos jovens levantarem os problemas que nosso país enfrentava e até hoje enfrenta.
Um breve resumo do começo de tudo
Em uma casa simples na periferia do Bronx, Nova York, no ano de 1973, rolou uma festa organizada pelo Dj jamaicano Kool Herc. Tocando ritmos de funk e soul, ele começou a acrescentar batidas constantes modificadas nas canções já conhecidas cantadas por lendas como James Brown e James Clinton. Nesse contexto, foi criado um ritmo dançante que hoje conhecemos como break. A base para o rap estava sendo criada em uma simples festa onde quem estava presente não tinha ideia que a história do gênero estava sendo escrita naquele momento, por aquele curioso dj jamaicano.
Não preciso dizer que o público presente foi à loucura e cada vez mais vimos o break dominar as festas. Então, os MCs começaram a criar suas rimas em cima das batidas dando força e voz no que já era viciante e dançante. A potência do Hip Hop com sua arte e moda, certamente, já era uma realidade a essa altura nos EUA. Afinal, o grupo Sugarhill Gang com a clássica “Rapper’s Delight” lançada em 1979, foi o responsável por levar o hip hop para o mundo. Desse modo. estourou-se a bolha daquela região de Nova York.
A chegada do estilo no Brasil
No início da década de 80, os jovens brasileiros começaram a receber informações sobre o que estava acontecendo em Nova York. Assim, descobriram um estilo que vinha fazendo muito sucesso e que refletia uma cultura de rua dançante e poética. Na cidade de São Paulo, começaram a surgir os primeiros grupos de break que se reuniam na Galeria 24 de maio e na estação São Bento do metrô, chamados de b-boys. Eles criavam suas próprias coreografias e absorviam referências das músicas americanas. Nelson Triunfo e Thaíde foram alguns dos primeiros frequentadores desses locais e, até hoje, causam impacto no cenário breaking.
Entretanto, não só de danças e belas rimas que essa primeira fase foi marcada. Afinal, o movimento era muito marginalizado e o preconceito era constante. Inclusive, muitos artistas sofriam abordagens da polícia e tinham seus discos quebrados. Além disso, ainda eram tratados como criminosos por produzirem Hip Hop. Rappin’ Hood comenta essa fase controversa: “A gente corria da polícia só porque fazia rap. Eles chegavam na estação e quebravam nossos discos”, lembra o rapper.
O Public Enemy (grupo consagrado de rap internacional) foi muito importante para a difusão do gênero no Brasil. Em 1984, eles fizeram um show em São Paulo impactando muitos jovens de periferias que estavam presentes e se sentiram representados pelas letras que traziam uma forte militância. “A banda ajudou muitos jovens negros do mundo inteiro a terem autoestima e a entenderem seu potencial. ‘’No Brasil, quem fez isso por mim foram os discos de Thaíde, DJ Hum e Racionais MC’s“, diz Rappin’ Hood. Importante lembrar que esse crescimento do movimento no Brasil foi justamente na época da ditadura militar, quando a cultura e a voz dos cidadãos eram duramente coibidas.
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Os primeiros artistas de rap e hip hop brasileiros
Em 1988, o primeiro álbum de hip hop foi lançado no Brasil. A saber, se tratava da coletânea “Hip-Hop Cultura de Rua”, que trazia trabalhos de nomes consagrados do cenário rapper no país, eram eles Thaíde, DJ Hum, MC Jack e Código 13. No ano seguinte chegou outra coletânea chamada “Consciência Black, Vol. I”, apresentando um dos maiores grupos da história do rap brasileiro, os Racionais MC’s. Racismo, violência na periferia e exclusão social, eram assuntos abordados em suas letras. O grupo foi um marco para o estilo no país que criava cada vez mais raízes.
Nos anos 90, o rap se consolidou no Brasil, ganhando as rádios e tendo a devida atenção da indústria que ainda tentava entender o funcionamento do estilo que ganhava tons políticos e culturais. Natanael Valêncio foi o primeiro DJ a colocar no ar um programa 100% dedicado ao rap, o Movimento de Rua, na Rádio Imprensa. O movimento recebia reconhecimento e servia como porta voz do povo que encarava os problemas sociais todos os dias. Nessa época, surgiram novos artistas como Pavilhão 9, Detentos do Rap, Câmbio Negro, Xis & Dentinho e MV Bill . Em 1993, os Racionais MCs lançaram seu primeiro álbum, “Raio X do Brasil”. O sucesso do grupo foi tão grande que eles foram chamados para abrir o show do Public Enemy em uma segunda passagem pelo Brasil.
As diversas fases do Rap e Hip Hop Brasileiro
O Rap e o Hip Hop brasileiros passaram por diversas fases ao longo das décadas, refletindo mudanças sociais, culturais e musicais. É importante notar que as classificações das fases podem variar e são, em alguns casos, sobrepostas. Aqui estão algumas das principais fases:
- Primeiros Passos (1980-1990): O Rap no Brasil começou a ganhar destaque nos anos 1980, com artistas como Thaíde & DJ Hum, Racionais MC’s e Ndee Naldinho. As letras eram muitas vezes focadas em questões sociais e políticas, refletindo a realidade das periferias urbanas.
- Expansão e Diversificação (1990-2000): Durante essa fase, o Rap brasileiro se expandiu para diferentes regiões do país. Artistas como Rappin’ Hood, Sabotage e MV Bill surgiram, cada um trazendo sua perspectiva única e estilo musical. Houve também uma diversificação nas temáticas abordadas nas letras.
- Influências Regionais (2000-2010): O Rap brasileiro começou a absorver mais influências regionais, com artistas do nordeste, sudeste e outras partes do país, trazendo elementos culturais locais para suas músicas. O gênero também começou a se mesclar com outros estilos musicais, como o samba e o funk
- Ascensão do Rap Feminino (2010-presente): Nos últimos anos, houve um aumento na visibilidade das artistas femininas no Rap brasileiro, como Karol Conka, Tássia Reis e Bivolt. Elas trouxeram novas perspectivas e abordagens para o gênero.
- Popularização e Reconhecimento (2010-presente): O Rap brasileiro ganhou uma maior visibilidade na mídia mainstream, com artistas como Emicida, Criolo e Projota, conquistando sucesso comercial e reconhecimento internacional. As temáticas continuam a abordar questões sociais, mas também incluem experiências pessoais e reflexões mais amplas.
- Fusão de Estilos (2010-presente): Muitos artistas têm explorado a fusão de estilos musicais, incorporando elementos de música eletrônica, reggae, rock e outros gêneros ao Rap brasileiro. Essa diversificação sonora reflete a influência global na música contemporânea.
Estilo musical que une ritmo e poesia
Desde os primórdios, em meio às periferias urbanas, até a sua consolidação como uma potente forma de expressão artística, o Rap brasileiro percorreu um caminho marcado por diversidade, contestação social e experimentação sonora. Ao se mesclar com uma miríade de estilos musicais, o Rap transcendeu fronteiras, transmitindo narrativas autênticas e empoderadas. A cena atual não apenas preserva a essência contestatória, mas também abraça a fusão de influências, moldando continuamente o cenário musical brasileiro e consolidando o Rap e o Hip Hop como elementos intrínsecos e inestimáveis da rica tapeçaria cultural do Brasil.