A primeira edição da qual participei foi a de 2016, mas minha história com a CCXP começa justamente em 2014 com a inauguração do evento. Naquele ano, eu e um amigo da época de escola ficamos sabendo através da televisão que São Paulo sediaria, pela primeira vez no Brasil, uma Comic Con de grande porte nos moldes de San Diego. Não conseguimos ir, pois a informação tinha chegado muito em cima da hora até nós, na semana do evento – e o que tinha na carteira dos dois mal inteirava um lanche. No ano seguinte, por conta de um campeonato escolar, também ficamos de fora. Eis que em 2016, com ingressos comprados e agenda livre, só restava esperar dezembro!
Talvez você já tenha ouvido o relato que vou narrar à seguir de mais de uma pessoa, mas eu nunca vou esquecer da sensação de entrar no pavilhão da Comic Con Experience – que depois adotou apenas a sigla CCXP, pela primeira vez. O nó na garganta, que tinha ganhado dois anos extras, finalmente se soltando em um suspiro profundo ao sentir a atmosfera magistral dali. Cada som, cada imagem… até o próprio ar parecia ter sido feito sob medida para mim. Senti como se pela primeira vez na vida, estivesse no meu mundo de corpo e alma. E isso ganhou uma beleza ainda maior quando, depois de algumas horas andando pelo evento, eu percebi que aquela era uma experiência coletiva também, pois todos presentes pareciam perfeitamente sintonizados mesmo sem se conhecerem. A partir disso, esperar a primeira semana de dezembro tanto quanto o meu aniversário ou feriados comemorativos se tornou um status quo na minha vida. Cada centavo poupado já tinha propósito e era garantir a credencial do ano seguinte. E assim foi, sempre. O ponto é que: da mesma forma como acabei de escrever, também já li e ouvi de tantos outros desconhecidos e amigos pessoais a mesma história. A de como esse evento se tornou especial para eles assim que sentiram a atmosfera do SP Expo pela primeira vez.
Ano após ano a CCXP se tornou cada vez maior e mais relevante no cenário da cultura pop mundial, e hoje ocupa o posto de maior convenção do planeta. Mas com crises criativas tomando conta dos estúdios de Hollywood e alguns deles focando em realizar seus próprios eventos (como no caso da Disney e da Netflix), muito tem se discutido à respeito desta e outras Comic Cons pelo mundo estarem perdendo sua força. E sempre que me deparo com esse debate a mesma pergunta me vem à mente: força em que sentido?
É inegável que a ausência de certos estúdios no evento chame a atenção e tenha seu impacto na relevância da convenção no que se refere a material divulgado. Porém, vejo essas saídas muito mais como um sintoma do próprio capitalismo dentro da indústria cultural do que necessariamente uma queda de “poder” da CCXP. Acredito ainda mais que, pelo contrário, mesmo sem grandes logos como o da Disney, nossa convenção mantém a cada ano um portifólio de artistas internacionais tão competente quanto o da grande San Diego (que possui uma vantagem geográfica). Anya Taylor-Joy, Miles Teller, Norman Reedus, Ana de Armas e Matt Smith foram apenas alguns dos convidados na edição de 2024. Além de, é claro, incontáveis artistas e atrações brasileiras que marcaram presença em todos os palcos, mesas do Artists’s Valley e corredores da CCXP.
Entretanto, passo pela questão hollywoodiana apenas parar “tirá-la da frente”, pois quando questiono o sentido da dita força perdida, gosto de focar em uma questão mais interpessoal. Sempre existe mais de um tipo de público em uma convenção: os que vão pelos estandes, os que vão pelos palcos, os que vão pelas compras… eu me considero dos que vão pelas pessoas… no sentido mais amplo da palavra mesmo. Desde os grandes e pequenos artistas, ao próprio público anônimo. Todos esses perfis são genuínos, e é por isso que assino embaixo das inúmeras melhorias que estudios e marcas podem aplicar em suas ativações e estrutura, como por exemplo o fato de boa parte do público passar tempo considerável em uma fila para tirar fotos com painéis de madeira ou experiências pouco imersivas. Mas sendo esta uma matéria de opinião, eu preciso dizer: para mim a CCXP é muito mais do que estandes.
O XP vem de Experience!
2024 me deu a chance ir ao evento não como fã primeiramente, mas como um membro da cobertura. E vi nisso uma oportunidade para me conectar ainda mais com as pessoas ao observar e interagir com elas em busca de depoimentos. Já tínhamos feito isso no ano passado, em um vídeo que passa bem o que gostaria de explorar com o texto. Mas nesse ano a ideia era ir além. Acompanhando de perto a perspectiva de quem nunca tinha ido à CCXP (meus colegas de equipe Felippe Greco e Talita Santos – que inclusive compartilhou um áudio emocionante no nosso grupo interno assim que entrou no evento), pude atestar que o que leva a maioria das pessoas até aqueles portões, não é somente o logo de grandes estúdios em um estande que distribuirá brindes chamativos, mas principalmente a oportunidade de estar em um local onde todos podem ser quem são, sem distinção. Onde amizades genuínas podem ser construídas da maneira mais espontânea. Onde oportunidades únicas de conversar com pessoas que são referência no que você gostaria de se tornar como artista e profissional estão a um “com licença” de distância. Onde sonhos realmente são construídos e também se realizam.
Um pouco da passagem da equipe Kolmeia pela CCXP24
Talvez a força da CCXP seja uma junção de tudo isso, dado que mesmo com as críticas e reflexões, os índices de público tem se mantido. Enxergo muito valor em ter uma convenção deste porte como um produto brasileiro que conquistou o mundo, pois em que outro lugar encontramos um evento com a energia e design de produção parecidos com os daqui?
Nosso público é diferenciado, nossas ideias e nossos artistas mais ainda. E contanto que essa atmosfera de autenticidade se mantenha, acredito que o evento demorará, e muito, para perder essa força.
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