Quando Vilma Melo sobe no palco já no seu personagem título da peça “Mãe de Santo”, nós jamais podemos pensar em como o espetáculo mexe com seu espectador. “Enquanto Mãe de Santo…” como a atriz mesmo diz, são inúmera as vezes enquanto interpreta, que a peça nos traz vivências e múltiplas realidades de mulheres negras. Não hoje, nem ontem… Com uma bagagem de 600 anos. Pesada e dolorida. E não, nós não vamos esquecer de nada do que ouvimos, mãe.
O espetáculo se aproxima do público pelo olhar sensível e fala cirúrgica
A peça “Mãe de Santo” está em cartaz no Teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio. O Teatro, no prédio da Funarte, sofreu reformas e seus poucos mais de 200 lugares, jamais conseguiriam comportar tudo que o argumento da respeitada filósofa Helena Theodoro e o texto da brilhante Renata Mizrahi tem para nos oferecer.
Com um monólogo firme e cheio de nuances, com canções entre atos da peça, elementos que só alguém com o talento de Vilma Melo, conhecida pela série “Encantados”, consegue realizar, a peça vai nos entregando através de relatos de personalidades e anônimos, experiências traumáticas, ou que mesmo que tenham terminado bem, deixam vozes que ecoam através de um bem fundamentado racismo estrutural, e até religioso.
A direção genial de Luiz Antônio Pilar não deixa que “Mãe de Santo” desacelere em nenhum momento, e a interação com o público, em determinados momentos, dói. Tamanha é a imersão e velocidade com que a peça nos cativa.
“Mãe de Santo” materializa cenas do cotidiano de forma intensa
Quando Vilma, “enquanto mãe de santo”, nos diz que vamos esquecer toda a experiência de quase uma hora de espetáculo, é distante encontrar razões para que àquela fala seja absurda, porém, não imaginamos que o que ela diz, na verdade não é pra nós. É pra quem não está ali. Ou, que decide estar, mas apenas para ocupar uma cadeira, esperando que ela apenas interprete pontos de macumba, use um turbante e fale apenas da nossa ancestralidade. Mas ela vai mais longe.
Encontramos uma jovem Vilma tendo que refazer uma prova na faculdade para provar para um professor branco que ela era capaz de saber e não de copiar ou colar dos demais. Nos reconhecemos em uma Camilla de Lucas que precisa apresentar obrigatoriamente o seu cartão de embarque para comprovar que preto pode andar de avião. Descobrimos a verdadeira história de desdém cometida com mãe Nitinha de Oxum, ao contrário da falha moral imposta à ela pela imprensa em mais um caso de intolerância religiosa e sonoro racismo. E essas são só algumas das histórias.
Vilma, além de uma das idealizadoras do projeto, ao lado de Bruno Mariozz, é gigante no palco. Cenografia e iluminação, além da trilha sonora, capturam a nossa atenção. “Mãe de Santo” nos revela muito mais do que relatos e histórias desconhecidas. Cada frase soa como um reflexo, como um exemplo claro, como uma semelhança do que em algum momento da vida já ouvimos falar ou sentimos na pele. Na cor, pra ser mais exato. No credo, pra ser ainda mais justo.
Leia também: “Môa, Raiz Afro Mãe” é documentário obrigatório! | Crítica
A peça fica em cartaz até 1º de Outubro
“Mãe de Santo” está em cartaz no coração da região central da Cidade do Rio, bem em frente à estação de Metrô Carioca, na saída para a Av. Rio Branco. Cumprindo um mês de temporada, do dia 1º de Setembro à 1º de Outubro, às sexta e sábados, às 19h, e aos domingos, às 18h, após isso, o espetáculo segue para uma turnê por alguns países na África.
Apesar de uma temporada com casa cheia na Zona Sul da cidade, o espetáculo tem enfrentado alguns problemas, com anúncios sendo denunciados e derrubados nas redes sociais, por conta do seu título, impactando no público de cada noite de apresentação no Teatro Glauce Rocha. Erroneamente condenado, “Mãe de Santo” é justamente o contrário: libertador. É o que sempre gostaríamos de dizer, e finalmente, podemos.
FICHA TÉCNICA
Argumento: Helena Theodoro
Texto: Renata Mizrahi
Com: Vilma Melo
Direção: Luiz Antônio Pilar
Trilha sonora original: Wladimir Pinheiro
Direção de produção: Bruno Mariozz
Direção de arte: Clívia Cohen
Instalação de Turbantes: Renata Mota
Iluminação: Anderson Ratto
Visagismo: Késia Lucas
Programação visual: Patrícia Clarkson
Design gráfico: Rafael Prevot
Comunicação: Natasha Arsenio
Produção executiva: Angélica Lessa
Idealização: Bruno Mariozz e Vilma Melo
Produção e Realização: Palavra Z Produções Culturais
SERVIÇO
Temporada: de 1 de setembro a 1 de outubro de 2023
Dias e horários: sextas e sábados às 19h, domingos às 18h
Local: Teatro Glauce Rocha
Duração: 50 minutos
Ingressos: R$ 20 (meia) | R$ 40 (inteira)
Capacidade: 204 lugares
Classificação indicativa: 12 anos
Horário(s) Bilheteria: Terça a sábado, 14h às 19h
Endereço: Avenida Rio Branco, 179 – Centro – CEP 20040-007
Telefone: (21) 2220-0259