A história do Cinema Brasileiro é incrível e tem capacidade de se reinventar a cada profissional que expressa a sua arte em um país tão plural, e que possibilita isso, como o Brasil. De Arnaldo Jabour, Glauber Rocha, Ruy Guerra a Fernando Meirelles, Walter Salles e Kléber Mendonça Filho, o cinema brasileiro sempre teve destaque internacional, mesmo que isso não se traduza em quantidade de prêmios em premiações “importantes”. Mas uma pessoa foi pioneira nesse destaque internacional quando se trata de atuação,
(e não foi Fernanda Montenegro, nossa “Fernandona”): Ruth de Souza, mulher preta, eterna dama do teatro e do cinema brasileiro.
Da paixão ao teatro ao TEN
Antes de presenciarmos um fim de semana como o último, onde tivemos Fernanda Torres se consagrando Melhor Atriz em Filme de Drama, em uma categoria jamais vencida por artistas brasileiros na 82ª cerimônia do conceituado “Globo de Ouro”, pelo trabalho em “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, tivemos uma grande escola de diretores, produtores e artistas brasileiros desfilando pelas premiações internacionais. A própria Fernanda Torres já tinha um prêmio vencido em 1986, em um dos festivais mais importantes do cinema mundial: O Festival de Cannes.
Mas foi uma outra brasileira e carioca que projetou não só o cinema, mas também o teatro brasileiro de forma expansiva dentro e fora do país. Foi Ruth de Souza. Nascida Ruth Pinto de Souza, no Engenho de Dentro, subúrbio do Rio de Janeiro, Ruth se interessou pelo teatro ainda na infância, mas foi só em 1945, que acabou fazendo parte de uma companhia de Teatro. Fundado por Abdias de Carvalho e sua esposa Maria Nascimento, o TEN, Teatro Experimental do Negro.
O Teatro Experimental do Negro nasceu de um caso racista
O TEN nasceu do encontro de alguns poetas brasileiros, entre eles o próprio Abdias de Carvalho, em 1941, que ao se deparar com o que chamamos de Blackface, onde um ator branco, de rosto pintado, interpretava um protagonista negro, na montagem da peça “O Imperador Jones”, em Buenos Aires, Argentina. Para Abdias,
era a marca mais visceral que o racismo podia imprimir sobre os atores negros. Mas foi só 4 anos depois que a mesma peça, com direitos cedidos pelo próprio criador para a montagem, o dramaturgo Eugene O’Neill, pode ser encenada pelo TEN.
A peça estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 08 de Maio de 1945, e seu elenco era composto apenas por artistas negros, com o protagonista sendo feito por Aguinaldo Camargo, e entre outras atriz negras, Ruth de Souza.
Indicação histórica ao Leão de Ouro, em Veneza
Em 1953, “O Cangaceiro”, dirigido por Lima Barreto levou o país até o Festival de Cannes pela primeira vez na história. O filme saiu vitorioso em duas categorias: Melhor Filme de Aventura e de Melhor Trilha Sonora. Mas foi um outro festival que fez barulho no mesmo ano. Atuando na primeira adaptação de “Sinhá Moça”, de Tom Payne, para o cinema na ocasião, Ruth de Souza recebeu a primeira indicação numa categoria de atuação da história de uma atriz brasileira ao prêmio principal: o Leão de Ouro de Melhor Atriz no Festival de Veneza.
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Concorrendo com atrizes como Michèle Morgan, Lilli Palmer e Katharine Hepburn (quatro vezes vencedora do Oscar), o prêmio ficou com a alemã Lilli Palmer, mas projetou não só Ruth de Souza, mas todo o cinema e os artistas brasileiros de forma nunca vista. “Sinhá Moça” deixou o festival com um Leão de Bronze, como Menção Honrosa.
O pionerismo de Ruth abriu portas munda afora
A partir de Ruth, tivemos muitas atrizes brasileiras em destaque, o pioneirismo permanece com a carioca do Engenho de Dentro, que faleceu em 2019, mas se manteve na história, marcada pelo amor ao Teatro, ao Cinema e a TV. Fernanda Montenegro, Sônia Braga, Sônia Coverloni, Marcélia Catarxo, Ana Beatriz Nogueira e agora, Fernanda Torres. Todas tiveram seu destaque e/ou conquistaram seus prêmios mundo afora.
E o melhor de tudo, falando português.
Muito trabalho, lançamento póstumo e reconhecimento
Ruth de Souza ainda brilhou em diversos trabalhos na TV, no Cinema e no Teatro. “Primavera”, protagonizado por Souza e Ana Paula Arósio, de Carlos Porto de Andrade Junior, foi filmado em 2005, mas lançado apenas em 2022, de forma póstuma. Ruth de Souza teve tempo de ver seu trabalho ser reconhecido com o Guarani Honorário pelo Conjunto da Obra, em 2016, no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, e se ver premiada em 2018, pela atuação em “Primavera”, com o prêmio no Melhor Atriz Coadjuvante, no 5º Festival Brasil de Cinema Internacional.
Na maior parte do tempo, Ruth de Souza não teve o destaque e o respeito merecido, mas contribuiu de forma decisiva para a consolidação do Cinema Nacional.