Após o estrondoso sucesso de Mr. Morale and the Big Steppers, o sexto álbum de Kendrick Lamar, a expectativa sobre sua próxima obra era altíssima. No entanto, o artista surpreendeu seus fãs ao lançar GNX, um projeto inesperado que não só esgotou todas as previsões sobre o que ele faria em seguida, mas também solidificou ainda mais seu status como um dos maiores nomes do rap mundial.
Com GNX, Lamar se afasta das introspectivas complexas e do tom introspectivo de seu trabalho anterior, e adota uma postura mais audaciosa e cheia de confiança. O álbum soa como uma reação direta ao mundo à sua volta, do qual ele se distancia de maneira provocadora. Com uma produção mais acessível e músicas que misturam melodias de hip-hop com influências de outros gêneros, GNX oferece uma variedade musical que abrange desde o G-Funk até o hyphy, passando por interlúdios de mariachi e ritmos latinos, criando um mosaico sonoro que celebra a diversidade do rap californiano.
A faixa de abertura, Wacced Out Murals, já deixa claro o tom do álbum. Kendrick desabafa sua indignação contra vários colegas da indústria, incluindo Snoop Dogg e Lil Wayne, e, é claro, Drake, reavivando a rivalidade com o rapper canadense. Ao longo do álbum, a sua narrativa se expande, tratando de temas como a evolução de seu estilo, o fim da coletânea Black Hippy e as dinâmicas dentro da indústria musical. Lamar não hesita em fazer uma crítica contundente aos que considera rivais ou ameaças à sua relevância no cenário atual. Ele solta versos afiados, com a clássica destreza lírica que o consagrou, mas agora com uma confiança ainda mais avassaladora.
Um dos momentos mais fascinantes do álbum é a escolha de Kendrick por artistas relativamente novos para os vocais de apoio. A faixa-título, GNX, por exemplo, apresenta colaborações com Hitta J3, Peysoh e YoungThreat. A escolha desses novos talentos mostra que Lamar se vê como o centro de um movimento que transcende os nomes estabelecidos. Em contraste com a ausência de grandes estrelas no projeto, a participação de SZA em dois duos, Gloria e Squabble Up, destaca-se como um momento de conexão entre as gerações de artistas e um respiro entre o frenético ritmo de Lamar e o toque suave da cantora.
A produção, assinada por grandes nomes como Sounwave e Mustard, com a colaboração de Jack Antonoff, é um dos grandes trunfos de GNX. Embora Antonoff seja mais conhecido por seu trabalho no indie e no pop, sua presença no álbum traz uma abordagem ousada e inovadora, misturando elementos do rap com texturas inesperadas. A faixa Peekaboo, por exemplo, é um exemplo de como Sounwave reinterpreta samples, criando uma batida que se torna tanto viciante quanto única. Em TV Off, os samples de cordas são substituídos por uma fanfarra triunfante, criando uma atmosfera que se assemelha a um épico cinematográfico. É essa capacidade de Lamar e seus produtores de criar surpresas sonoras dentro de um universo coeso que torna GNX um álbum instigante.
Outro destaque do álbum é a faixa Reincarnated, onde Lamar se apresenta como a reencarnação de figuras históricas importantes, como John Lee Hooker e Billie Holiday, e ainda consegue imitar a cadência de Tupac Shakur em um sample de sua música Made Niggaz. Este é apenas um exemplo de como Lamar consegue reunir diferentes referências culturais e artísticas em sua música, mantendo seu estilo irreconhecível e original.
Em GNX, o rapper também explora temas espirituais de forma notável. Em faixas como Man at the Garden, ele reflete sobre sua jornada e afirma sua confiança de maneira quase divina. Não é por acaso que, em Reincarnated, Deus se manifesta, repreendendo Lamar e dando-lhe uma lição que, ao invés de minar sua atitude, apenas reforça sua ideia de um destino grandioso. Esse conceito de luta e redenção é uma constante ao longo do álbum, com Lamar se colocando como um personagem que, apesar de suas falhas, está destinado ao triunfo.
Embora GNX não seja tão profundo ou conceitualmente complexo quanto To Pimp a Butterfly ou Mr. Morale and the Big Steppers, ele ainda assim é um trabalho impressionante. Ao longo das 44 minutos do álbum, Kendrick entrega não só um projeto técnico, mas também um álbum que reafirma sua genialidade, com rimas afiadas e uma produção inovadora. A habilidade de Lamar de se reinventar constantemente e de assumir novas posturas dentro do hip-hop é uma das razões pelas quais ele continua sendo uma força imbatível no rap contemporâneo.
Em sua totalidade, GNX é um álbum que equilibra com maestria o egocentrismo do artista com uma reflexão profunda sobre seu papel na cultura e na música. Ele não se preocupa em agradar a todos, mas em afirmar sua posição no topo do jogo. Ao encerrar o álbum com Heart Pt. 6, onde reflete sobre sua evolução e o fim de sua parceria com a Top Dawg Entertainment, Lamar deixa claro que, enquanto muitos o consideram o melhor rapper da atualidade, ele ainda tem mais a mostrar. Com GNX, Kendrick Lamar não só reafirma sua posição como o maior nome do hip-hop, mas também nos lembra que, no jogo, ele é, sem dúvida, o rei.
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