Existem diversos momentos históricos que certamente colaboraram para o surgimento do mangá como o conhecemos hoje. Sobretudo, acerca do significado e origem da palavra. Neste primeiro capítulo da História do Mangá, a primeira curiosidade que nos surge é: onde surgiu o conceito dessa popular subcultura japonesa tão consumida atualmente?
Primeiramente, é impreciso recordar quando o mangá surgiu de fato. Os fatos relatados aqui são um reflexo do que a sociedade produzia em sua época. Sendo assim, independente de quais fins fossem – educativo, satírico, comerciais e afins – na medida do possível tentaremos abordar as informações que mais sugerem ser parte da origem do mangá.
Vale ressaltar que são obras bem diferentes do mangá moderno como o conhecemos hoje. Com o objetivo de explorar um pouco mais do significado do termo, buscamos entender como os japoneses dão significado a palavra mangá, então…
Qual significado da palavra mangá no Japão?
Primeiramente, algumas das características que encontramos associadas a palavra mangá frequentemente se referem à sátira e caricatura, principalmente em portais nipônicos como Weblio, Ninjal e o Goo.ne. Já no dicionário nativo japonês, o Daijisen, encontramos um exemplo mais robusto contendo os Kanjis e seus significados isolados também:
- 漫 = man
1. Sem “amarras”, não se conclui, sem firmeza.
2. Sem razão, ou ausência de fortes motivações, impulsivo, relapso.
- 画 = ga
1. Desenhar, pintar.
2. Foi retratado, ilustrado.
3. Limitar. Demarcar. Demarcação.
4. Medidas. Medições.
Para nos dar o apoio linguístico, tivemos auxílio do Professor Lucas Hashimoto que morou 12 anos no Japão. O Prof. Hashimoto-san possui proficiência N1 em japonês, sendo a mais alta proficiência na língua nipônica, também é formado em Gestão Comercial e Artes Cênicas. Atualmente atua como Gaming Support para 5CA. Já aqui no Brasil, ele tem trabalhado também como professor particular de língua japonesa. Você pode encontrá-lo no Instagram e LinkedIn. Enfim, Hashimoto conclui que:
Idealmente a palavra foi criada como uma tradução direta da palavra comic, usada para se referir aos quadrinhos. Com isso, foi utilizado como equivalente a palavra cômico. De fato, eu acredito que possivelmente a utilização do kanji 漫 = man foi dada pelo sentido de desastrado e literalmente cômico. Mas que como em sua definição não se espera esta única abordagem da mídia em si. Por isso, acaba possuindo outros significados. Isso é algo interessante porque a palavra é constituída de duas letras japonesas, 漫 = man e 画 = ga, e a primeira não possui o significado cômico, no sentido de gênero. Porém as duas juntas formam esse conceito que conhecemos hoje”, diz Lucas Hashimoto.
Entre diálogos, onomatopeias e muita tinta nanquim
Bem, se tratando de uma arte nipônica, a primeira grande diferença a se identificar é na leitura. Afinal, ela deve ser feita da direita para esquerda assim como é na literatura japonesa. Tanto nos balões de diálogo quanto nos quadros onde a narrativa acontece. As artes são usualmente feitas em preto e branco com nanquim e uma série de outros equipamentos antes de chegar a editora.
A saber, existem diversos tipos de formatos de mangá de acordo com o número de páginas, público alvo e afins. Logo informaremos como é a demografia japonesa para os mangás, como eles são produzidos e quais são os diferentes formatos existentes. Aguarde os próximos capítulos!
Seguindo adiante, o mangá é, literalmente, formado por um conjunto de imagens segregadas por quadros. Tais quadros que contém diálogos e onomatopeias ao contarem sua narrativa. Onomato… NANI??? (QUE???) Mas o que são onomatopeias?
As onomatopeias são definidas como figuras de linguagem que descrevem os sons que não são produzidos pela fala dos personagens. Ou seja, são sons descritos pelo autor em texto para descrever golpes e carros andando, por exemplo.
Vale lembrar que no ocidente a onomatopeia é extremamente presente também com seus “bang”, “pow” e “kaboom”. Acima, há um exemplo do mangá JoJo Kimyou na Bouken ou como é popularmente conhecido no ocidente JoJo’s Bizarre Adventure.
Shotaro Ishinomori e a preocupação com a “irresponsabilidade”
Ainda falando da palavra mangá, uma curiosidade sobre o termo é que em 1989 o artista Shotaro Ishinomori (1938 – 1998) tentava mudar o sentido da expressão “mangá”. Tal termo tinha sua primeira letra traduzida como algo inconsequente e irresponsável na época. Com isso, ele sugeriu que o caractere fosse substituído por outro com a mesma pronúncia do “Man”. Já nesta sugestão, o significado expressaria um número enorme. Ou seja, segundo sua visão, era como expressar a criação de uma obra com infinitas possibilidades com milhões de imagens. No entanto, sua proposta de mudança não vingou.
Ainda falando sobre o artista, ele é uma das figuras japonesas de maior influência em mangás, animes e tokusatsus até hoje. Inclusive sendo intitulado o rei do mangá moderno. Além de já ter trabalhado com o Osamu Tezuka (1928 – 1989), este por sua vez considerado o deus do mangá, o mangaká Ishinomori cria em 1964 uma de suas mais memoráveis obras, o Cyborg 009. Já para a TV, em 1971 surge o Kamen Rider, inicialmente desenvolvido para ser um Live-Action de outro do mangá do autor intitulado Skull Man, de 1970, publicado na Shonen Magazine.
Assim como o trabalho do “deus do mangá”, o importantíssimo trabalho de Shotaro Ishinomori também é parte vital da história do mangá.
Voltando ao longínquo passado da História do Mangá…
Enfim, voltemos ao longínquo passado, abrindo o portal do tempo que nos levará a “pré-história” dos quadrinhos japoneses. Logo voltaremos aos icônicos nomes do mangás modernos nos próximos capítulos da História do Mangá!
Agora, abordemos os períodos históricos que levaram as caricaturas a ganharem contexto e, posteriormente, diálogo. Aqui, você conhecerá, de acordo com o contexto histórico, como são fortes as influências do passado sobre o presente. Embora a estrutura do mangá moderno seja completamente diferente de seus antecessores, a influência é bem perceptível.
Então, em meio a diversas versões históricas contadas em livros dessa arte nipônica, temos a obra A Brief History of Manga da autora Helen McCarthy. Segundo o livro, temos de ir primeiramente para o passado, especificamente para o período Asuka (538 d.C até 710 d.C).
Rapidamente explicando sobre o período Asuka, nele houveram significativas mudanças sociais e políticas no país. Sobretudo com a chegada do Budismo, causando mudanças em sua sociedade. Tanto que o nome do país passa de Wa (倭 Yamato) para Nihon (日本 Japão). Este foi apenas um exemplo de um mar de diversas mudanças.
A propósito, se quiser se aprofundar mais sobre o assunto dos períodos e eras nipônicas, recomendo o livro de José Yamashiro intitulado História Da Cultura Japonesa. Além deste livro, vale destacar o canal Linfamy com vídeos bem instrutivos, no entanto contando apenas com áudio em inglês e legendas em espanhol, francês e inglês.
Caricaturas de vigas de teto do templo Horyu-ji
Seguindo adiante, segundo relatado no livro da autora Helen McCarthy, foram encontrados caricaturas feitas por um grupo de operários que “desabafavam” sobre seus chefes. Os rabiscos se encontravam nas vigas do teto do templo Horyu-ji em Nara no período Asuka. Porém, os rabiscos ficaram escondidos no Japão por mais de 1200 anos, pois foram colocadas placas de teto que os tampavam. Sendo assim, os rabiscos só foram descobertos em 1930 após o templo passar por uma reforma no telhado.
Bem, não existe uma ligação direta dos rabiscos com a história do mangá, pois as caricaturas eram muito mais um reflexo do contexto em que a sociedade vivia. Mas este mesmo tipo de caricatura ainda se fará presente ao que está por vir! Confira abaixo algumas caricaturas:
Ainda sobre o templo Horyu-ji, uma curiosidade é que este local é considerado uma das construções em madeira mais antigas do mundo. Dessa forma, sendo construído em 607 d.C a mando do príncipe Shotoku (574 d.C – 622 d.C), já que o príncipe desejava que seu pai, o Imperador Yomei (585 d.C – 587 d.C), fosse curado de sua doença (não revelada). Sendo assim, fez do templo sua oferenda à Buda. A propósito, lá existem diversas estátuas de Buda, inclusive a “Trindade de Shaka”. Seria uma possível inspiração para a “Exclamação de Atena?”
Provavelmente, os rabiscos aconteceram durante a reconstituição do templo, pois, segundo Nihon Shoki, os primeiros textos a narrarem a história do Japão editada no início do século VIII, o templo foi incendiado por conta da influência budista não ser bem aceita na época – inclusive pelos xintoístas – mesmo o Imperador Yomei respeitando ambas religiões no Japão.
Retratação das atividades humanas pelas mãos do sacerdote
O conceito pré-histórico do mangá data a idade média japonesa, pois tem origem nos pergaminhos que relatavam as lendas performadas no Oricom Shohatsu (Teatro das Sombras), cujos pergaminhos continham lendas escritas e ilustradas, todas realizadas por fantoches, percorrendo diversos vilarejos.
A saber, as lendas foram escritas no Japão durante o período Nara (710 d.C à 794 d.C) recebendo ilustrações dos artistas locais. Dessa forma, dando início às narrativas com estrutura sequencial. Segundo o livro A Brief of History of Manga, por volta dos anos 1100 d.C, no período Heian, surgiu um sacerdote budista chamado Toba Sojo que produziu uma famosa obra em seus pergaminhos.
A obra intitulada Chōjū Jinbutsu Giga (literalmente “caricaturas de animais antropomórficos”) se tornou um dos registros mais antigos deste tipo de arte no Japão. Obviamente tornando o sacerdote famoso e uma das figuras mais conhecidas quando se trata da história do mangá.
Os pergaminhos continham desenhos mostrando ratos, sapos e macacos antropomorfizados (quando se dá características humanas ao que não é humano). Nele, os animais exerciam as atividades humanas e eram usados para satirizar sacerdotes pouco devotos. Embora as imagens fossem utilizadas para o ensino religioso, elas se tornaram extremamente populares em sua época por sua sátira.
Neste período, imagens como esta vendiam tão bem quanto imagens artísticas contendo paisagens, atores famosos e afins.
Você pode conferir a obra também em vídeo clicando aqui.
E a história do Japão com sua arte milenar continua…
Por fim, os livros ilustrados se tornaram extremamente populares como os romances e passando a ser amplamente disponíveis. No próximo capítulo, abordaremos as obras The Girl Who Became a Taoist Immortal e a The Diary of Lord Fudo of Three River Island, ambas conhecidas por utilizarem pela primeira vez o termo mangá em suas páginas no Japão do período Edo (1603 d.C à 1868 d.C).
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Até o encontro do mais forte!