No dia onde se é comemorado o “Dia da Visibilidade Trans”, 29 de Janeiro, que é uma data que reforça a urgência da luta pelo fim da violência contra a população trans, além de ser uma oportunidade para reafirmar a resistência dessas pessoas e para reivindicar direitos, o portal Kolmeia continua sua saga de matérias sobre os enredos das Escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, para o Carnaval 2025. Um dia importante, que coincidentemente nos liga à uma escola de samba que sempre tem defendido enredos necessários sobre racismo, intolerância e responsabilidade social na avenida. A Paraíso do Tuiuti, escola de samba do Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, Rio de Janeiro, resolveu encarar o desafio de contar a historia de Francisco, que se tornou Francisca e ficou conhecida como Xica Manicongo, a primeira mulher trans documentada no Brasil.
Tuiuti vem de carnavais marcantes na Sapucaí
Desde que ascendeu em 2016, vencendo a então Série A (hoje, Série Ouro), a Tuiuti sempre deu o que falar no Grupo Especial. Desde a sua última participação no primeiro escalão das escolas em 1959, só em 2017, a Tuiuti voltou a desfilar entre as grandes campeãs do carnaval carioca. E graças a todas as decisões estranhas daquele ano, graças a alguns incidentes na Sapucaí, ela permaneceu no Grupo Especial, mesmo tendo terminado o carnaval na última colocação, dentre todas as escolas de samba. Naquele ano, a Liga independente das escolas de samba, a Liesa, decidiu que não haveria rebaixamento, diante dos acidentes com vítimas fatais envolvendo tanto a escola de São Cristóvão, como também, a Unidos da Tijuca.
Mas no ano seguinte, veio a redenção. A Paraíso do Tuiuti desfilou com o enredo “Meu Deus! Meu Deus! Está Extinta a Escravidão?”, também desenvolvido por Vasconcelos, e foi vice-campeã do carnaval do Rio pela primeira vez na sua história. Com aclamação de campeã moral pela imprensa especializada, e uma comissão de frente histórica, coreografada por Patrick Ferreira (hoje, na Imperatriz Leopoldinense). Nos anos seguintes, a agremiação fez carnavais corretos o suficiente para se manter no Grupo Especial. Em 2024, a escola conquistou uma 9ª colocação, com o enredo “Glória ao Almirante Negro!”, também de Vasconcelos, e com um samba marcante tanto quanto a sua apresentação na Marquês de Sapucaí.
Enredo de 2025, Xica chegou escravizada ao Brasil
Para 2025, nada menos Tuiuti para ver na Avenida, já que a escola tem se tornado sinônimo de ousadia. Com “Quem tem medo de Xica Manicongo?”, Jack Vasconcelos promete contar um pouco sobre a dura realidade da escravidão, Xica buscou preservar suas práticas religiosas e encontrou refúgio junto ao povo Tupinambá, na Bahia, onde trocou saberes e vivências em um contexto de aprendizado coletivo e resistência cultural. A Paraíso do Tuiuti promete emocionar e levantar reflexões com a história da 1ª trans documentada do Brasil. O samba da Amarelo Ouro e Azul Pavão de São Cristovão foi composto por Gustavo Clarão e Cláudio Russo, confira abaixo, e na sequência, um trecho da sinopse do Enredo da escola.
Confira trecho da sinopse do carnaval da Tuiuti
“Trago verdades. Não, necessariamente, as suas.
Pisei na terra dos antigos, bebi na fonte dos eternos, respirei a fumaça do encantamento e agora vou contar para vocês o que meus olhos leram nos escritos desse mundo, minhas orelhas ouviram diretamente da boca do lado de lá e minha alma sentiu quando a ancestralidade se materializou.
A poeira assentada no passado se levantou do chão e me falou do tempo primordial bantu, de quando as energias masculina e feminina emanavam nos exus sem distinção de sexo.
Exu de duas cabeças vibra na encruzilhada dessas duas polaridades ordenando o caos criacional, mesmo após Exu Rei ter dividido as energias em dois corpos distintos. São faces de uma mesma moeda. Coexistem e se complementam na veia que corre entre o mundano e o astral.
Muito antes da cruz do homem branco rasgar o ar das terras africanas, sacerdotes já cultuavam os antepassados no Reino do Congo, onde ela nasceu varão. Predestinada.
Acreditavam serem sagrados os que recebiam a dádiva de conter almas identificadas com o gênero diferente ao do seu corpo nascido, como se um único ser corporificasse os espíritos masculino e o feminino. Uma existência completa, plena, capaz de ser transição entre dois mundos, detentores da sabedoria, comunicadores da ancestralidade.
Tais caminhos que se entrecruzam em um só, faziam a mulher transbordar naquele corpo de homem. Sim, o varão era uma cudina congolesa. Uma bela Jimbanda, uma poderosa kimbandeira. Uma sacerdotisa Manicongo, senhora do Congo e da magia.
Mas a religião do colonizador europeu demonizou sua existência e crença.
Ela disse: “NÃO”. Se recusou a renunciar sua natureza, sua identidade.
Pagou alto pelo atrevimento. (…)”
Confira a sinopse completa AQUI.
Escola reafirma sua importância social e de resgates de histórias esquecidas
A Paraíso do Tuiuti, assim como muitas de suas co-irmãs, tem na sua vivência uma comunidade que depende dessas escolas para existir. E vice-versa.
Por isso, abordar temas de relevância para o provo preto, para as minorias, e personagens esquecidos da história, tem feito sucesso, em uma combinação que a escola sabe realizar muito bem. Estudo e Samba-enredo. Isso funcionou em 2018, em 2024 e tem tudo para ter um final feliz também em 2025. Todos os anos mencionados, sobre a batuta de Jack Vasconcelos, que lembra um estilo Max Lopes, Vasconcelos tem uma preocupação excessiva com a estética e não tem medo de ousar nos seus desfiles.
O desfile da Paraíso da Tuiuti acontece na Terça-feira de carnaval, 3 de Março. Logo após a Mocidade Independente de Padre Miguel, a Tuiuti dá seguimento ao dia que fecha os Desfiles de Escolas de Samba do Rio de Janeiro, sendo acompanhada por Grande Rio e Portela, nessa ordem.
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PARAÍSO DO TUIUTI
Ficha técnica:
Fundação: 05/04/1952
Cores: Amarelo ouro e azul pavão
Presidente: Renato Thor
Quadra: Campo de São Cristóvão, 33 – São Cristóvão – Rio de Janeiro – RJ CEP 20921-440
Barracão: Cidade do Samba (Barracão nº 09) – Rua Rivadávia Correa, nº 60 – Gamboa – CEP: 20.220-290
E-mail: [email protected]
Em 2025:
Enredo: “Quem tem medo de Xica Manincongo?”
Carnavalesco: Jack Vasconcelos
Diretores de Carnaval: Andrezinho Show, Thiago Dias, Allan Guimarães e Rodrigo Soares
Intérprete: Pixulé
Mestre de Bateria: Mestre Marcão
Rainha de Bateria: Mayara Lima
Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Raphael Rodrigues e Dandara Ventapane
Comissão de Frente: Claudia Mota e Edifranc Alves